EnglishPortugueseSpanish
EnglishPortugueseSpanish

10 anos da Lei seca e a toxicologia do álcool

Prof. Dr. Edson Sidião de Souza Júnior

Farmacêutico, Mestre e Doutor em Medicina Tropical e Coordenador da Faculdade Integra

Há um pouco mais de 10 anos, o Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), por meio da Resolução 432/13, regulamentou a Lei 12.760/12, de 21.12.12, conhecida como nova lei seca. Com esta lei, o Brasil adotou a “tolerância zero” de álcool etanol, principal ingrediente das bebidas alcoólicas, no sangue. Temos desde então, uma legislação rigorosa que prevê prisão de 6 meses a 3 anos, reação às estatísticas sobre acidentes de trânsito no Brasil, onde 40.601 pessoas morreram em 2010 de acordo com o Ministério da Saúde, ano da regulamentação da primeira lei seca. Neste contexto, ainda pairam dúvidas a respeito do álcool no organismo, principalmente sobre o tempo de permanência, efeitos no organismo e detecção pelos equipamentos fiscalizadores.

O etanol é uma droga. A droga é qualquer substância química que altera o organismo. Do conceito de droga, bifurcam-se os termos fármaco e tóxico, diferenciados pelos resultados que provocam no organismo quando absorvidos. Conclui-se então que o etanol, por ser uma droga, pode em determinadas situações se comportar como um fármaco, trazendo alívio a uma enfermidade, ou como um tóxico, trazendo desequilíbrio ao funcionamento do organismo. A quantidade absorvida de etanol é, geralmente, o fator mais importante para caracterizá-lo como um tóxico. 

As bebidas alcoólicas possuem diferentes quantidades de álcool etanol em sua formulação. Estas quantidades, representadas pelo teor alcoólico (porcentagem em quantidade) podem variar de 5% em uma cerveja comum a aproximadamente 90% os no Absinto Hapsburg. Assim que a bebida é ingerida o etanol é absorvido, já na mucosa oral, e vai direto para a corrente sanguínea. Após este fenômeno, os equipamentos e exames são sensíveis à presença do etanol. Pela alta sensibilidade não há como disfarçar a presença do mesmo no organismo. A absorção também ocorre, em parte, no estômago e finaliza no intestino delgado. Na corrente sanguínea o etanol é distribuído para todos os órgãos, sendo aqueles que possuem alta concentração de água, o destino final do etanol: cérebro, fígado, coração e rins. 

Ao chegar ao fígado, 90% das moléculas de etanol são metabolizadas, ou seja, transformadas em outra molécula não tóxica para o organismo e de fácil eliminação pelos rins. O fígado é capaz, em condições normais, de processar uma lata de cerveja por hora. A ingestão de etanol a uma velocidade maior produzirá níveis sanguíneos crescentes, que evidentemente o fígado não conseguirá metabolizar.  

O excesso de etanol no organismo pode provocar intoxicação atingindo vários órgãos. Ao chegar ao cérebro, o etanol estimula os neurônios a liberar uma quantidade extra do neurotransmissor – Serotonina. Essa substância leva mensagens entre os neurônios, fundamental para regular o prazer, o humor e a ansiedade. Por isso, um dos primeiros efeitos do álcool é deixar a pessoa desinibida e eufórica. Outros neurotransmissores podem ser afetados. O etanol inibe a liberação do Glutamato, interferindo na liberação de GABA. Sem o controle do Glutamato, mais GABA é liberado no cérebro. O GABA é um neurotransmissor depressor do Sistema Nervoso Central. Consequentemente a pessoa perde desde a coordenação até o autocontrole. O aumento dos efeitos estimulantes pode fazer com que a pessoa superestime a sua capacidade de desenvolver atividades, como dirigir, por exemplo, após o consumo de álcool e assim aumentar o risco de se envolver em acidentes. 

Uma prática comum é a associação de bebidas alcoólica e energético. O relato popular é de que a associação das duas bebidas diminuiria a sonolência e aumentaria a sensação de prazer. Este falso senso comum sugere que as bebidas energéticas poderiam ressaltar ou prolongar os efeitos estimulantes do álcool ou poderiam diminuir os efeitos depressores. 

Outra associação arriscada é a do álcool com determinados medicamentos, em especial antibióticos derivados imidazólicos, como albendazol, mebendazol e metronidazol. Estes antibióticos são populares por suas ações antiparasitárias. Por serem metabolizados, também no fígado, e pela mesma enzima – Álcool desidrogenase – impedem que o álcool, quando ingerido seja metabolizado. Nestas condições, quantidades menores de bebidas alcoólicas provocam a intoxicação alcoólica. O tempo necessário para desintoxicar o organismo é maior, prolongando os riscos de acidentes. O uso de álcool com medicamentos deve ser evitado. 

Em caso de dúvidas, a respeito de associações e interações medicamentosas e álcool, o profissional farmacêutico deve ser consultado. 

A responsabilidade individual é garantia fundamental para a diversão coletiva. A legislação, apesar dos seus 10 anos, continuará a ser útil quando a consciência estiver presente. A direção e o consumo do álcool, mesmo que pareça em quantidades pequenas, causa danos ao indivíduo e a sociedade.

Está gostando do conteúdo? Compartilhe.